3/18/2010

O ÓDIO E O AMOR



Ouvi que o Ódio e o Amor
Jogaram a matar um dia,
A quem matava melhor:

Um se armou todo de dor,
Outro todo de alegria.
Ia o Ódio, o arco atesado,
Sempre envolto em fúria brava,
Fero, medonho, indignado:
Ia o Amor, mui repousado,
Salvando a quantos topava.
As gentes, que o Ódio viam
De tal jeito, anteparavam,
E as mais sem parar fugiam:
As setas se lhe perdiam,
Como do arco lhe voavam.
Mas indo delas fugindo
Os tristes homens com medo,
Eis o Amor, que era já indo,
Vai matando e vai ferindo,
Muito falso, e muito quedo,
Depois ao fazer da conta,
Com ser destro o Ódio e membrudo,
Não fez nada, ou tanto monta;
E o Amor só, sem perder ponta,
Tinha morto quase tudo.
Donde de certo se sabe,
Que por mais que o Amor estude,
Inda o Ódio é menos grave;
Somos tais, que em nós não cabe
Excesso, nem de virtude.
(D. Francisco Manuel de Melo, Obras Métricas, cart. I, est. 19 e seg.)

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